Há quase uma década que não se observava um arranque de liga portuguesa com tão forte presença lusa nas redes das formações competidoras e estamos a testemunhar o regresso do guardião nacional à derradeira muralha da prova.
Em 37 guarda-redes utilizados até à jornada 21, 19 são portugueses, ainda que alguns deles tenham nascido fora de Portugal, e quase todos já vestiram as quinas, seja na principal selecção, seja nas várias equipas nacionais jovens, ou seja… a qualidade está lá – e há bastante tempo.
Na temporada passada, por exemplo, foram utilizados 42 guardiões do templo sagrados, dos quais apenas 16 portugueses.
É verdade que durante boa parte da temporada transacta os portugueses equilibraram as contas, mas o arranque foi aposta bem mais forte no ‘produto’ estrangeiro, sempre com o particular realce para o brasileiro, sendo a custo que os lusos se exibiram para confirmar a qualidade e garantir a titularidade.
Não deixa de ser curioso que, numa altura em que tanto se gaba o treinador português e o facto de, há anos, a primeira liga lusa ser povoada na sua quase totalidade por técnicos nacionais, apesar da crise e falta de capital nas SAD, que continue o grosso investimento em futebolistas não-nacionais e um ‘desprezo’ ao produto luso, que tantas comendas acolhe a nível global.
Norton de Matos asseverou, no final da época, que caso André Moreira não se tivesse lesionado o União da Madeira não teria descido. Mika foi, pela segunda temporada, negligenciado no arranque, preterido por outros, mostrando-se novamente vital na manutenção das ‘panteras’. Cláudio Ramos até viu a chegada de um guardião no mercado invernal, relegado para segundo plano, apenas para ser peça fundamental na permanência do Tondela. Apesar da descida de divisão, Trigueira foi dos melhores elementos na temporada da Académica e Rui Silva roubou justamente o lugar das redes nacionalistas a Gottardi, tal como Miguel Silva fez a Douglas, sem favores e com altas notas exibicionais.
Rui Patrício tem sido a figura constante na proa dos guarda-redes nacionais na liga portuguesa, titularíssimo do Sporting CP há anos, mesmo que tenha surgido no primeiro patamar com algumas debilidades, que debelou com o tempo para se tornar – naturalmente – num guardião mais completo, a melhorar claramente no jogo de pés, com maior percepção da gestão da grande área e do espaço entre si e a linha defensiva. É ele o líder dos guardiões das redes sagradas portuguesas e foi vital no título europeu de 2016.
Desde 11/12, onde Marcelo Boeck realizou dois encontros e Tiago teve direito aos minutos de despedida no final da liga, que Rui Patrício acumula jogos consecutivos na liga lusa e ninguém questiona, naturalmente, a sua absoluta titularidade.
Em 14/15 apenas um terço dos guarda-redes chamados à acção foram portugueses, apenas cinco em 18 clubes foram as primeiras escolhas, ou seja, os mais utilizados na sua equipa.
Em 2013/14 foram 15 lusos em 37 guardiões chamados à guarda das suas balizas, mas somente três passaram a temporada como opção inicial dos vários treinadores.
Apesar da variabilidade das nacionalidades presentes nas redes dos clubes portugueses, senegaleses, argentinos, austríacos, eslovenos, ingleses, sérvios, russos, polacos, iranianos, uruguaios, alemães, franceses, espanhóis, mexicanos, venezuelanos, montenegrinos, australianos, angolanos, italianos, camaroneses, guineenses, a verdade é que a presença brasileira é massiva e claramente dominante, algo que se replica também nas outras posições dentro dos relvados.
Em 12/13 surgiram 29 distintos guardiões, 11 dos quais lusitanos, seis como primeira escolha das balizas durante a temporada.
Doze portugueses em 37 escolhas marcaram a época 11/12, quatro em 16, ou seja um quarto, como primeiras opções nas redes.
A temporada 2010/11 ofereceu mais de metade de lusos utilizados, 17 em 33, contudo apenas quatro como soluções primárias para guardarem o templo sagrado.
A falta de oportunidades levou a que alguns procurassem uma afirmação exterior, nomes como o vianense Mário Felgueiras, como Bruno Vale, como Beto ou Eduardo, sendo esta uma boa solução face às chaves que não detêm para as redes lusas.
É necessário recuar até 09/10 para notar um equilíbrio no templo final do futebol, a guarda da baliza, com sete dos 16 clubes a alinharem portugueses por mais tempo nessa tarefa de derradeira salvação da equipa.
Se a formação dos ditos ‘grandes’ é majestosamente bajulada pelas selecções nacionais, sendo verdade que continua a dotar todos os clubes de elementos de valor, também facilmente se observa que estes podem surgir de qualquer local. Jorge Baptista formou-se no Dragões Sandinenses de Vila Nova de Gaia, Hélder Godinho fez-se guardião entre o Núcleo Desportivo e Social e Associação Desportiva da Guarda, Ricardo Nunes, produto da afamada escola do Varzim, Mika e o brilho que cedo trouxe às redes da União Leiria ou Eduardo, formado entre o ‘seu’ Mirandela local e o Sporting Braga, ditando que a qualidade, o trabalho, a evolução, podem brotar de qualquer ponto.
José Sá, que muitos erradamente associam à formação do Benfica, onde passou somente parte de um ano de júnior, fez-se guardião entre o Palmeiras, equipa do concelho de Braga focada na formação, e o Merelinense. Rui Silva, cujas exibições no Nacional mereceriam maior atenção nacional, chega à Madeira oriundo do Maia Lidador, herdeiro do FC Maia, e é importante relevar isto, face a um foco mediático português obcecado por três equipas de futebol e que menoriza, despreza mesmo as restantes.
É necessário viajar até 2008 para se assistir a um arranque de época com mais lusos na guarda das redes, apenas cedendo essa maioria já no último terço da liga, acabando por ter sete em 16 como guardiões mais utilizados.
Contudo, após o mercado de inverno, a relevância do guarda-redes português voltou a perder contundência, continuando a preponderância dos ‘goleiros’. Regressaram a Portugal após passagens pelo estrangeiro nomes como Bracali, antes, Peçanha e, neste recente defeso, Vágner, ex-Estoril, reforço do Boavista após a experiência pouco sucedida na Bélgica, e Adriano Facchini, herói de Barcelos, que voltou a Portugal para assegurar a substituição do jovem Rui Silva, transferido para o aflito Granada, no Nacional Madeira.
Entre os portugueses, nota para o retorno de Cristiano Figueiredo, formando do Sporting Braga nascido na Alemanha mas internacional jovem português, que chegou ao Restelo oriundo do campeonato grego, onde foi pouco utilizado, como forma de colmatar a chamada de Joel Pereira por parte de Mourinho no Manchester United. Taborda mereceu já a confiança de Inácio no Moreirense, o mais velho a ser utilizado na Liga NOS 16/17, mas as sucessivas exibições de estrondo por Makaridze dificultam-lhe mais tempo.
O formando do Sporting CP Luís Ribeiro teve finalmente minutos na Liga NOS, sendo chamado por Pedro Carmona, sucessor de Fabiano no Estoril-Praia, face à lesão de Moreira na mais recente ronda. Outro produto da afamada escola leonina, Beto também já sentiu a relva pelo Sporting CP, aproveitando a baixa forçada de Rui Patrício, numa altura em que se falava da saída do ex-Sevilha para a MLS.
Rui Sacramento também somou já minutos em Arouca, contudo parece ser Bolat o escolhido no lugar de Bracalli, cuja hipotética saída para a Chapecoense terá retirado da titularidade. A chegada de Manuel Machado, profundo conhecedor do brasileiro e que não ofereceu oportunidades ao turco na primeira metade da época no Nacional, deverá devolver as redes a Bracalli, salvo alguma decisão administrativa.
Neste momento, antevêem-se facilmente nove titulares ‘canarinhos’ em 18 balizas da Liga NOS, acrescendo a estes um espanhol e um georgiano, restando sete vagas previstas para portugueses, ou seja, o impacto inicial perdeu-se novamente, restituindo-se o status quo que se observa há anos, quer face a boas prestações que redundaram em transferências, estas não positivas até ao momento (Mika, Rui Silva e Joel Pereira não jogam nos clubes para onde se mudaram), quer devido a opções técnicas a salvaguardarem a experiência.
Este artigo foi realizado pelo jornalista e investigador António Valente Cardoso.