Foi guarda-redes apenas “numa situação de emergência”, mas sempre teve “interesse em perceber taticamente cada posição” para ser “um elemento útil para jogar onde o treinador preferisse”. Só após vários golos, João Lino optou por ser treinador de guardiões de Futsal.
Formado na Juventude Ouriense, começou a desenhar a sua carreira como técnico específico no clube de Santarém e transitou por Universidade da Beira Interior, Sporting da Covilhã e CD Fátima Futsal até chegar ao CCRD Burinhosa, depois de ser treinador principal na equipa onde foi formado. Ajudou a colocar o Burinhosa na primeira divisão e partiu para o Dubai, onde representa o Al Ahli – com quem já foi campeão nacional e da Federation Cup. O Mundo dos Guarda-Redes foi descobrir mais sobre a carreira do Português que revela vários pontos do seu trabalho numa entrevista conduzida por Fernando Miguel Rocha.
Depois de tantos anos como jogador, na posição de fixo, treinador principal e adjunto, ligado à técnico-tática, o que o levou a mudar para o treino específico de guarda-redes?
Na Universidade da Beira Interior fui incentivado pelo treinador Arménio Coelho e pelo professor Bruno Travassos a experimentar o treino específico de guarda-redes – visto ser uma área com poucos profissionais. Aceitei o desafio, onde o gosto imediato, o conhecimento, a experiência e os resultados positivos foram fundamentais para continuar.
Através de uma notícia lida há algum tempo de que antes de partir para o Dubai se tinha comprometido com ADR Mata (Divisão de Elite de Leiria), qual foi a reação por parte do clube assim que já tinha a nova proposta e pretendia aceitar? Considerou uma proposta irrecusável?
É uma história engraçada, porque já por duas vezes me comprometi em trabalhar com o treinador e amigo Nuno Veiga mas devido a propostas importantes para a minha vida, que surgiram depois, tive que abdicar desses compromissos com ele. Mas fica essa dívida que certamente um dia será cumprida.
Quanto à proposta do Al Ahli, achei irrecusável porque tanto a nível profissional como pessoal senti ser um desafio muito importante para o meu crescimento.
Quando foi contactado para abraçar o projeto Al Ahli, com que objetivos o fizeram? O que pretendiam de si para a equipa técnica?
Quando fui contactado para integrar a equipa técnica liderada pelo jovem treinador Rui Guimarães (um treinador com mentalidade vencedora e com métodos de trabalho modernos), o objectivo passava por vencer uma taça este ano e em dois anos ser campeão. Não só vencemos a taça como nos sagramos campeões já este ano e ainda disputamos neste momento a conquista do ultimo troféu da época, a President Cup. As minhas funções são a de treinador de guarda-redes e realizo também o registo estatístico.
Numa realidade certamente bem diferente do que estava habituado, como foi a sua adaptação ao Dubai?
A minha adaptação foi bastante boa e rápida visto ter-me informado bastante sobre o contexto para onde ia e [facilitou] estar junto de um treinador Português que me ajudou bastante nos primeiros meses de adaptação.
Iniciando o seu trabalho, de que forma/formas o faz? Quais são os seus métodos, objetivos e conteúdos?
Inicio sempre o meu trabalho através de uma avaliação diagnostica e da criação de uma relação de compromisso, companheirismo, respeito e ambição. Após a análise dessa avaliação diagnostica, estabeleço os objectivos de trabalho consoante as principais carências encontradas. Os objetivos podem variar consoante os contextos, para que o crescimento pretendido seja sustentado em bases sólidas.
Quanto aos conteúdos divido-os em quatro pilares base. Isto é: os físicos, os psicológicos, os técnicos e os tácticos – que, por sua vez, se subdividem em objectivos mais específicos.
A minha metodologia centra-se o mais possível no contexto de jogo, apostando também na tomada de decisão por parte do guarda-redes porque no Futsal moderno [os guardiões] são fundamentais nos equilíbrios e desequilíbrios ofensivos e defensivos. E sendo o guarda-redes o último homem no campo, que tem uma visão privilegiada do jogo, as duas decisões posicionais e os feedbacks são fundamentais.
Procuro que o meu trabalho seja divertido para eles, mas eficaz tendo em conta os objectivos propostos. Para isso utilizo uma grande variedade de materiais, desde bolas, balões, arcos, elásticos, bancos, escadas de coordenação, sinalizadores, bolas com molas, entre outros, de forma a tornar o treino um desafio constante, mas de forma divertida. O Futsal é alegria, é intensidade, é pensamento rápido e [os guarda-redes] têm que ser estimulado como tal.
Durante o período que se encontra no país, como considera a evolução dos seus guarda-redes e do seu trabalho?
Na época anterior, foi descrito por muitas pessoas que uma das grandes lacunas do Al Ahli foram os guarda-redes. O nosso grande desafio era mudar essas ideias e estou muito satisfeito com o trabalho realizado por nós pois nesta época não se ouviu falar dos guarda-redes pela negativa o que é um indicador de que fizeram o seu trabalho bem feito. Isto deve-se ao grande compromisso, companheirismo e respeito que sempre tiveram pelo trabalho.
Passando para o nosso país, como acha que o treino de guarda-redes tem evoluído?
Acho que têm evoluído bem, pois passou de um período de alguma escassez de treinadores para um período em que tem havido um acréscimo enorme, tanto em número como em qualidade do trabalho. Estamos numa fase de maior partilha dos conhecimentos e experiências entre todos, o que é fundamental para a evolução da área.
Acompanha algum treinador “mais de perto”?
Acompanho vários, todos eles, porque identifico-me bastante com a forma de trabalhar. São eles os Portugueses Raul Oliveira (Sporting), Filipe Monteiro Pi (Modicus) e Pedro Palas (Selecção Nacional), os Brasileiros Rafael Kiyasu (Santos), Guaíba (Dínamo Moscovo) e Garrote (Kairat) e o Inglês Andy Reading, entre outros. Podemos aprender sempre mais observando os outros, mas também é importante saber ajustar tudo o que vemos às reais necessidades do nosso contexto.
Acha que existe qualidade em Portugal para esta área tão específica?
Acho. Os treinadores Portugueses têm muita qualidade e normalmente têm sucesso quando saem do país devido ao facto de facilmente se ajustarem a outros contextos e serem eficazes no trabalho, tendo em conta os objectivos. Possivelmente as dificuldades sociais e profissionais existentes em Portugal levam as pessoas a ajustarem-se constantemente a tudo, característica que acaba por ser útil na nossa profissão.
Para além dos treinadores Portugueses que anteriormente referi, existem outros como por exemplo os Luís Miguel Ribeiro (Qatar Sports Club) ou a Sara Almeida (Santa Luzia FC) que trabalham com metodologias competitivas, contextuais e promovem a tomada de decisão por parte do guarda-redes. Igualmente importante é estarmos em constante reciclagem dos nossos conhecimentos, pois só assim não seremos ultrapassados e iremos contribuir para o crescimento de grandes guarda-redes em Portugal. Tendo em conta o número de clubes existente, é fundamental que o número de treinadores de guarda-redes aumente mas que agregado a isso venha também a qualidade do trabalho.
Por fim, gostaria que me dissesse, em breves palavras, o que para si é e de que forma considera o treino de guarda-redes. Qual a importância que tem para si?
Para mim o treino de guarda-redes além de ser a minha profissão, foi um amor à primeira vista. Considero-o muito importante porque posso ajudar pessoas a serem melhores, sendo que isso se torna um desafio constante devido à especificidade que cada guarda-redes transporta.
E quais são as suas perspetivas para o futuro?
Relativamente ao futuro o mais importante para mim é continuar a sentir que estou a evoluir diariamente e a sentir o meu trabalho valorizado. O maior troféu que posso ter é sentir que ajudei alguém a ser melhor. Se acreditarem no teu trabalho, a evolução, o reconhecimento e os troféus vêm naturalmente. Mas tenho como meta continuar a ganhar experiência internacional, junto de treinadores e equipas com ideias vencedoras. Um dia, pelo meu trabalho, gostava de chegar aos quadros de trabalho das selecções nacionais.
Sobre o entrevistador
Fernando Miguel Rocha