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Paulo Graça: “guarda-redes de Futebol de Praia e um guarda-redes de Futebol não têm nada a ver”

Paulo Graça: “guarda-redes de Futebol de Praia e um guarda-redes de Futebol não têm nada a ver”

15 Março, 2016
Entrevistas

Paulo Graça: “guarda-redes de Futebol de Praia e um guarda-redes de Futebol não têm nada a ver”

Formado no relvado de Alvalade, quis o destino que Paulo Graça se tornasse um ícone das balizas do Futebol de Praia de Portugal, chegando às 147 internacionalizações. Retirado desde 2013, desenvolve as qualidades adquiridas nos dois terrenos em treinos de guarda-redes da AD Oeiras e trabalha os guardiões na Praia através da Escola de Guarda-Redes João Santos e contou a O Mundo dos Guarda-Redes a satisfação de ensinar aos mais jovens aquilo que aprendeu em mais de vinte anos de luvas calçadas.

Aos 37 anos ainda podia estar a representar a seleção de Portugal nas Areias. A lesão determinou o fim da carreira?

PG: Sim, já se vinha a arrastar há muitos anos. Sempre que joguei Futebol de Praia, de 2008 a 2013, tive esta lesão, mas depois chegou uma altura em que abateu mais e o corpo não deixou. A minha estratégia era ter deixado no Mundial’2015 porque tinha quase a certeza absoluta que a jogar em casa seríamos campeões do Mundo, o que acabou por acontecer, e era nessa altura que eu queria acabar a carreira.

E como encaras este novo desafio – treinar os guarda-redes na relva e na areia?

PG: Como toda a gente, quando se entra num projeto, seja treinar guarda-redes ou uma equipa, é para nos sentirmos melhores e usarmos aquilo que nos ensinaram para ensinar aos outros e sermos reconhecidos por esse trabalho. Acho que é o que toda a gente quer e depois subir eventualmente dificuldades e patamares para pensar mais longe, mas neste momento faço isto por gosto. Não faço com intenção de chegar muito longe, mas se conseguir lá chegar fico contente, é sinal que o nosso trabalho foi reconhecido por tudo aquilo que fizemos.

Depois de tantos anos a defender as balizas na relva, como surgiu o Futebol de Praia na sua vida profissional?

Paulo Graça: O Futebol de Praia foi algo que apareceu em 2007 porque o Vitória FC não tinha guarda-redes para levar para um torneio e o Nuno Tavares, que já tinha jogado comigo por várias ocasiões, lembrou-se de mim para ir passar o fim-de-semana a Peniche e ficar no banco, como suplente. Depois acabei por fazer alguns minutos e quando fiz esses minutos foram os suficientes para dar nas vistas e ganharmos aquele torneio.

Para dar o exemplo: no primeiro torneio estive dois minutos em jogo e marquei um golo. Esse golo deu para irmos à final e depois, na final, não joguei o último período contra o Sporting CP quando estávamos a perder 4-2 e depois acabamos por empatar 4-4. Fomos a penaltis e eu defendi o decisivo e o Vitória FC foi campeão. Nesse ano a seleção foi ao Campeonato do Mundo do Brasil onde fez a pior classificação de sempre e o José Miguel Matues quando regressou, quando começou o ano em janeiro ou fevereiro de 2008, começou à procura de guarda-redes e o pessoal do Vitória FC é que me indicou a ele, porque eu só tinha feito aqueles minutos e eu nem sabia sequer as regras do Futebol de Praia. O Zé Miguel depois ligou para mim e perguntou-me se eu estava disponível para ir fazer um estágio ao Algarve. Eu disse que sim e a partir daí comecei a integrar os estágios e os treinos da seleção e nunca mais saí.

Em que aspetos é que o Futebol de Onze ajudou aos desempenhos no Futebol de Praia?

PG: Eu fiz uma carreira em que, apesar de não ter tido nenhum clube na Primeira Liga, a minha formação foi feita no Sporting CP onde apanhei um plantel em que muitos deram o “salto” como o Simão Sabrosa, o Nuno Assis, o Luís Boa Morte, o Bruno Patacas, o Marco Caneira, por aí fora… e eu tinha umas características que eram diferentes. Era um guarda-redes totalmente em ataque e nunca ficava entre os postes. Saía muito a cruzamentos e fazia muito a dobra aos meus defesas e no Futebol de Praia o que me facilitava muito era o lançamento porque eu desde miúdo, devido ao Desporto que tinha feito desde os oito anos, a minha coordenação motora fazia com que tivesse um bom lançamento e que fosse coordenado e acho que foi mais por aí. Foi o Futebol de Onze que me facilitou no Futebol de Praia e não o contrário.

E em que qualidades assenta o treino de guarda-redes de Futebol de Praia?

PG: O treino do guarda-redes de Futebol de Praia tem de ter muita técnica de baliza. O guarda-redes tem de ter muita técnica de baliza neste momento, assim como no Futebol de Onze – mas mais no Futebol de Praia, porque aqui o guarda-redes não pode ficar à espera que a bola bata no chão/areia e no Futebol de Onze isso pode acontecer, portanto o guarda-redes tem sempre de aprender a atacar a bola.

Depois, o posicionamento.. Porque no Futebol de Praia, ainda mais que no Futebol de Onze, o posicionamento entre os postes é essencial porque como a baliza é mais pequena às vezes não é preciso cair. Um guarda-redes se tem de estar a cair a cada bola que é chutada chega ao final do jogo e não se aguenta das pernas. Fica cansado e no Futebol de Praia há jogos em dois dias.

Mas as diferenças [do guarda-redes de Futebol de Onze para Futebol de Praia] são ainda maiores em jogo?

PG: Em jogo um guarda-redes de Futebol de Praia tem de estar muito mais ativo. Ali ele nem tem tempo para descansar. A concentração tem de estar sempre a 200 por cento. A bola a qualquer momento pode ser chutada, portanto o guarda-redes de Futebol de Praia tem de estar sempre preparado para a eventualidade de haver um remate. Tem de estar sempre numa posição pronta para reagir enquanto em relação o guarda-redes de Futebol de Onze tem tempo para ler o jogo, para ver movimentações… é muito diferente. Muito complexo. Um guarda-redes de Futebol de Praia em relação a um guarda-redes de Futebol não tem nada a ver.

E o que é que defende para um guarda-redes de Futebol de Praia?

PG: Aquilo que defendo é estarmos bem posicionados, bem fisicamente, bem coordenados com a nossa posição e a partir daí sermos o melhor tecnicamente possível e é isso que se trabalha.

Notou alguma diferença ou alguma evolução no guarda-redes de Futebol de Praia desde os tempos em que jogava até os dias de hoje?

PG: O que posso dizer é que a partir de 2009 e princípios de 2010 nós – Seleção Portuguesa -, fomos uma das pioneiras a usar o 5 para 4 com o guarda-redes avançado: neste caso era eu. A partir daí as coisas foram evoluindo e houve mais guarda-redes a aparecer. Guarda-Redes a trabalhar cada vez mais tecnicamente com os pés e apesar de eu não ser muito bom tecnicamente com a bola no ar, como por exemplo o Elinton Andrade, eu fazia o suficiente: punha a bola no chão e quando era pressionado levantava a bola e passava.

E foi a partir daí que a seleção começou a jogar 5 para 4. A única diferença que houve foi essa, porque toda a gente utiliza praticamente essa tática com o guarda-redes e a seleção Portuguesa foi uma das pioneiras a fazê-lo a partir de 2010.

E quais as qualidades do guarda-redes “perfeito” no Futebol de Praia?

PG: Tinha de ser um guarda-redes que saiba bem comunicar com a equipa, ágil, bom tecnicamente, bom taticamente – também é importante. E é o básico.

Sendo assim, quem são os guarda-redes do teu agrado na atualidade?

PG: Um dos guarda-redes que está em alta e que eu gostei do Mundial foi o do Taiti, o Jo Keeper [Jonathan Torohia] e o Fran Dona neste momento também se pode considerar uma referência, mas o Dona sempre foi aquilo.